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sábado, agosto 07, 2010

Irredutivelmente só


Estou sozinha em casa, em silêncio.

Bom, não totalmente em silêncio. O fato de digitar, as teclas, o ventilador do computador, tudo isso são barulhos meus. Somados a eles vêm outros tantos barulhos da vizinhança. Há um fim de festa, gente rindo. O vizinho da frente vê televisão no quarto. Do outro lado da rua um casal conversa, animado, na janela. Um carro passa. Depois não passa. Depois passa outro. Então há todos esses barulhos preenchendo o vazio da solidão.
Gosto do barulho do teclado. Me faz uma companhia insubstituível. Não é sempre que ele se impõe sobre o resto. E aqueles barulhos, e as músicas, e os gestos solitários de personagens sem solução me fazem companhia noite à dentro, quase toda noite. 
(O celular agora toca e interrompe. Falo. Desligo.)

Esses personagens com os quais convivo. Tenho pensado muito neles. Sozinhos, solitários, sofridos. Tenho pena dessa solidão que eles vivem. Solidão que é um espelho da solidão de quem escreve, ou do medo da solidão de quem escreve aqueles personagens. Conheço esse medo de vê-lo nas pessoas. As pessoas não gostam de se sentir solitárias, elas procuram companhia, elas procuram outras pessoas, a Tv, o telefone, ouvir música. Eu não. Eu gosto de ficar sozinha, em silêncio. A cidade me transtorna um pouco com todos os seus barulhos. É difícil parar de prestar atenção no mundo quando há gente, visível ou ouvível, em todas as direções. Amo a solidão. Amo estar sozinho em casa. Troco fácil a noitada, os amigos, a farra, pela noite “all by my self” em frente ao computador, junto do livro ou olhando para a parede.
 
Gosto de repensar minha vida o tempo todo. Gosto de imaginar a possibilidade de voltar no tempo e mudar umas coisas. Repenso meus momentos de desespero, repenso e imagino-me saindo daquilo. Não sei se há aí uma ingenuidade, ou uma tirania. Certamente há a esperança de que não me deixe cair na mesma armadilha.

Gosto também de sentir raiva. É bom sentir raiva quando se está sozinho. Às vezes acontecem coisas que me dão verdadeiro ódio, mas eu prefiro adiar o ódio para a solidão. Prefiro gritar com as paredes e fantasiar vinganças. De preferência vinganças a serem concretizadas.

Eu gosto da solidão para planejar coisas más. Eu gosto da solidão para me atormentar com coisas ruins. Eu gosto da solidão também para imaginar um futuro bem bacana. Às vezes megalomaniacamente bacana. Tipo mega sena, iate, mansão. Tipo uma festa bacanérrima de aniversário. Tipo torturar e matar uns políticos filhos da puta. Tipo ter filhos e netos.
Tipo rever um amigo que tem tempo. Eu gosto de ficar sozinha também para não pensar em nada. Perder meu tempo cutucando uma espinha, cortando unha do pé, fazendo bagunça.

Não gosto de desperdiçar qualquer oportunidade. Por isso não dói conviver com os barulhos da minha vida. Não dói porque eles não me tocam. Na verdade, por mais que eu os veja e os construa também, eu não os compreendo. O desespero da monotonia não me atinge. O desespero de não ter com quem também não me atinge. Me atingem as pessoas, isso sim. Mas a solidão é como uma casa, um refúgio, um lugar sempre possível. Sempre viável. E sempre propício a me levar de volta ao mundo dos outros. Afinal, a solidão feliz de uma pessoa sempre atrai uma multidão de gente.

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